domingo, 4 de setembro de 2011

Antes do Fim do Mundo

Título: Antes do Fim do Mundo

Autores: Walace F. Neves, Gabrielle Flammarion (espírito)

Editora: 3 de Outubro

Categoria: ficção

Edição: primeira (2011)

Enredo:
A estória se passa no século 25 com a Terra passando por problemas ecológicos sérios. A população se encontra dividida em dois grupos bem desiguais em termos econômicos, sociais, e morais. E o grupo mais avançado empreende um plano para 'resgatar' o outro grupo.

Formato:
Tamanho médio com mais de 200 páginas para serem lidas em aproximadamente 8 horas. A estória é dividida em 22 capítulos. O projeto gráfico é razoável, porém, o índice foi publicado com numeração errada.

Linguagem:
Português correto e elegante. As narrações e os diálogos são bem escritos.

Avaliação:
A ficção é uma categoria literária que deveria ser melhor explorada pelas editoras espíritas. Nesta categoria os autores têm maior liberdade na construção das estórias e na formulação de ideias e hipóteses. Por outro lado, existe, a meu ver, um certo preconceito ou uma certa desvalorização com o termo. E isto porque os leitores buscam nos livros espíritas estórias reais que contribuam para a sustentação de sua própria fé. Mas, somente o termo é desvalorizado já que o que não falta é ficção em muitos livros espíritas.

Assim, merece aplausos a iniciativa da editora em criar um segmento de ficção contribuindo para a sua valorização no meio espírita. A iniciativa tem por inspiração o astrônomo Camille Flammarion que escreveu algumas obras do gênero. Aliás, o livro em análise tem como mote o livro "O Fim do Mundo" do próprio Flammarion.

Como o enredo do livro se passa no futuro, século 25, então muitas previsões e hipóteses são formuladas. A maioria delas é de ordem tecnológica e algumas científicas. Por outro lado, a previsão mais interessante está no campo religioso. No caso, os autores preveem um mundo sem religião, mas com iniciativas laicas no campo da espiritualidade.

Já as previsões no campo social são confusas. É apresentada uma desigualdade gritante entre dois grupos sociais, mas não se explica como ela se originou. Fala-se pouco dos povos orientais como se não existissem. A explicação do sucesso moral na América do Sul, especialmente o Brasil, é muito simplista.

Esta confusão acaba por refletir no próprio cerne do enredo que é a transformação da humanidade terrena para um período de regeneração. Do livro se observa que ao mesmo tempo que um grupo foi avançando pelos séculos do terceiro milênio um outro grupo foi regredindo. Com isso não fica claro se os autores defendem a hipótese de um processo contínuo de regeneração ou de um processo abrupto do tipo resgate.

De qualquer forma, é curioso notar a simbologia por trás do resgate do grupo menos avançado (chamados de Filhos da Luz). Este povo muito oprimido e moralmente atrasado é salvo pelo filho do próprio Governador do outro grupo numa clara alusão a figura de Jesus Cristo. O filho e outros companheiros não temem o sofrimento e nem a morte assim como os primeiros cristãos não temiam os leões romanos. No clímax deste resgate se operam "milagres" como a despoluição repentina do clima embora já preparada antecipadamente por alguns dos "salvadores".

Enfim, a ideia da salvação está implícita dentro de um discurso de transformação moral que se realiza com o tempo tornando ambígua a mensagem que o livro pretende passar.

Discussão:
Seguem abaixo algumas passagens:

Página 44 do capítulo O Debate:
Hoje, em quase todo o mundo, os centros de filosofia da vida, sem dogmas ou fantasias, sem ritos e fanatismos ou mistérios ocultos, isentos de 'doutores da lei' e pseudointérpretes ou representantes diplomados do pensamento divino, buscam resgatar, dentro de um sistema de racionalidade científica, com honestidade de propósitos, numa atitude cristalina e aberta, os valores e a lógica da vida.
Esta passagem faz parte de um debate bem interessante entre um espiritualista e um materialista. Em especial, é interessante a previsão da falência das religiões e o desenvolvimento de centros espiritualistas laicos.

Página 61 do capítulo Reencontro:
__ Por que [o espiritismo] não se transformou em religião de todos?...
__ Não se transformou!... Ainda bem que não, meu velho, senão cairia na vala comum dos interesses personalistas. Ela sofreu muitas influências e interferências dos próprios adeptos, ao exercerem a crença ao seu modo, satisfazendo ao comodismo e aos resquícios do atavismo religioso e dogmático de outros tempos, como previra o professor Rivail, cognominado Allan Kardec, mas sem abalar os sólidos alicerces em que se fundara, permanecendo incólume ao tempo e ao espaço.
Mais uma previsão interessante sobre o futuro não religioso do espiritismo.

Página 103 do capítulo Novos Planos:
__ Tanto os hindus quanto outras raças extintas da região fizeram exatamente isto, preservaram egoisticamente o segredo, buscando a elevação unicamente individual. O isolamento, por conseguinte, levou-os a criarem sistemas mesclados às fantasias e lendas, ao passo que, numa grande região quase continental da América do Sul, no tempo em que a divisão territorial foi mais marcante, a filosofia das vidas sucessivas e a comunicabilidade dos espíritos tornou-se tema popular e alcançou a todas as classes sociais como ideia comum, levando a coletividade a comportamento bem diverso, a uma espiritualidade tal que não se tem notícias de bolsões de revoltosos, como no caso específico das regiões do Norte.
Não entendi como os autores chegaram a essa previsão de que a milenar filosofia hindu acabará tão cedo. Aliás, os autores deveriam ter desenvolvido esta ideia da extinção da 'raça' hindu.

Página 104 do capítulo Novos Planos:
Eles mesmos [os espíritos] promoveram, com Allan Kardec, a vinda de uma filosofia que por si só constitui-se no maior e mais poderoso inimigo do materialismo - o espiritismo!
Essa visão bélica de acabar com o inimigo não é lá muito fratenal, né?!

Página 164 do capítulo Prisioneiros:
__ Sim, amigo, e, como se não bastasse, o administrador, em sua boa intenção, acreditando no seu comandante, enviou o próprio filho...
Os autores repetem consciente ou inconscientemente a estória da vinda de Jesus Cristo, o próprio filho de Deus, para a redenção da humanidade.

Página 172 do capítulo Visitas:
__ Meus amigos, meus filhos queridos, as nossas esperanças de um mundo transformado e feliz começam a prenunciar-se após milênios de labores.
(...) Esperei por estes momentos, na fieira dos séculos, na contagem terrestre, consciente de que a criatura humana herdou, em sua intimidade espiritual, as luzes do Divino Criador, que, embora obscurecida pela ignorância, estaria apta a romper esse casulo, na medida em que o homem se capacitasse, gradativamente, a desgastá-lo. E, uma vez rompido, a eclosão dessa claridade traria o conhecimento integral e a perfeita felicidade, tão enganosamente desejada.
Dois comentários: (1) essa ideia de uma espera por um momento de transformação me parece muito apocalíptica e (2) palavras belas não são belas palavras.

Página 177 do capítulo A Grande Decisão:
Este é o momento de se desfazerem os últimos bastiões, nos bolsões de resistência dos Filhos da Luz. Não se trata de vitórias sobre a rebeldia, mas de responsabilidade de uns para com os outros, expressa nos princípios da liberdade natural de todo o ser humano, da igualdade de direitos e de deveres sob as claridades da consciência, da fraternidade, que reúne sob seu pálio tanto a liberdade quanto a igualdade.
A lembrança do lema revolucionário francês 'liberdade, igualdade, e fraternidade' é sempre muito bem vinda. Porém, são valores que se conquistam aos poucos com persistência e vontade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário