terça-feira, 1 de maio de 2012

O Mundo Assombrado pelos Demônios

Título: O Mundo Assombrado pelos Demônios

Autor: Carl Sagan

Editora: Companhia das Letras

Categoria: estudo

Edição: terceira (1997)

Proposta:
Propõe a defesa da ciência e de uma postura cética científica.

Formato:
Volume grande com mais de 400 páginas que podem ser lidas em aproximadamente dezesseis horas. Bom projeto gráfico.

Linguagem:
Linguagem simples, didática e cheia de exemplos.

Avaliação:
É daqueles livros que você diz a si mesmo: "por que não li antes?". É um verdadeiro manual de uma postura cética científica diante as mais variadas coisas. O autor se vale de vários exemplos onde esta postura cética pode ser aplicada. Demonstra os benefícios desta postura e também os perigos em não adotá-la.

Embora não seja um livro espírita este livro aborda diferentes questões espirituais que são caras ao espiritismo. Para o pesquisador espírita o autor oferece um ferramental valioso para investigar os fenômenos espíritas.

Discussão:
Seguem abaixo algumas passagens:

Página 43 do capítulo Ciência e Esperança:
"Espírito" vem da palavra latina que significa "respirar". O que respiramos é o ar, que é certamente matéria, por mais fina que seja. Apesar do uso em contrário, não há na palavra "espiritual" nenhuma inferência necessária de que estamos falando de algo que não seja matéria (inclusive aquela de que é feito o cérebro), ou de algo que esteja fora do domínio da ciência. De vez em quando, sinto-me livre para empregar a palavra. A ciência não é só compatível com a espiritualidade; é uma profunda fonte de espiritualidade. Quando reconhecemos nosso lugar na imensidão de anos-luz e no transcorrer das eras, quando compreendemos a complexidade, a beleza e a sutileza da vida, então o sentimento sublime, misto de júbilo e humildade, é certamente espiritual. Como também são espirituais as nossas emoções diante da grande arte, música ou literatura, ou de atos de coragem altruística exemplar como os de Mahatma Gandhi ou Martin Luther King. A noção de que a ciência e a espiritualidade são de alguma maneira mutuamente exclusivas presta um desserviço a ambas.

Página 78 do capítulo Alienígenas:
Mas a figura-chave era Franz Mesmer. Eu tinha compreendido vagamente a palavra "mesmerismo" como algo semelhante a hipnotismo. Mas meu primeiro conhecimento real de Mesmer foi por intermédio de Mackay. O médico vienense imaginava que as posições dos planetas influenciavam a saúde humana, e ficou arrebatado pelas maravilhas da eletricidade e do magnetismo. Ele prestava seus serviços à nobreza francesa decadente às vésperas da Revolução. Todos se apinhavam num quarto escurecido. Coberto por um manto de seda com flores douradas e brandindo uma varinha de marfim, Mesmer fazia suas vítimas se sentarem ao redor de uma cuba de ácido sulfúrico diluído. O Magnetizador e seus jovens assistentes examinavam profundamente os olhos de seus pacientes e esfregavam os seus corpos. Esses agarravam barras de ferro que saíam para fora da solução ou ficavam de mãos dadas. Num frenesi contagioso, os aristocratas - especialmente as jovens mulheres - eram curados à direita e à esquerda.

Página 200 e 201 do capítulo A arte refinada de detectar mentiras:
Às vezes sonho que estou falando com meus pais, e de repente - ainda imerso na elaboração do sonho - sou tomado pela consciência esmagadora de que eles não morreram de verdade, de que tudo não passou de um erro horrível. (...) Evidentemente, existe algo dentro de mim que está pronto a acreditar na vida após a morte. (...) Por isso, não rio da mulher que visita o túmulo do marido e conversa com ele de vez em quando. (...) Mas isso não significa que estou disposto a aceitar as pretensões de um "médium", que afirma canalizar os espíritos dos seres amados que partiram, quando tenho consciência de que a prática está cheia de fraudes. (...) Como é, pergunto a mim mesmo, que os canalizadores nunca nos dão informações verificáveis que nos são inacessíveis por outros meios? Por que Alexandre, o Grande, nunca nos informa sobre a localização exata de sua tumba, Fermat sobre o seu último teorema, James Wilkes Booth sobre a conspiração do assassinato de Lincoln, Hermann Goering sobre o incêndio do Reichstag? Por que Sófocles, Demócrito e Aristarco não ditam as suas obras perdidas? Não querem que as gerações futuras conheçam as suas obras-primas?

Página 205 do capítulo A arte refinada de detectar mentiras:
Sobre as religiões doutrinárias, escreveu o filósofo David Hume que

os homens não ousam confessar, nem mesmo a seus corações, as dúvidas que têm a respeito desses assuntos. Eles valorizam a fé implícita; e disfarçam para si mesmos a sua real descrença, por meio das afirmações mais convictas e do fanatismo mais positivo.

Essa descrença tem consequências morais profundas, como escreveu o revolucionário americano Tom Paine em The age of reason:

A descrença não consiste em acreditar, nem em desacreditar; consiste em professar que se crê naquilo que não se crê. É impossível calcular o dano moral, se é que posso chamá-lo assim, que a mentira mental tem causado na sociedade. Quando o homem corrompeu e prostituiu de tal modo a castidade de sua mente, a ponto de empenhar a sua crença profissional em coisas que não acredita, ele está preparado para a execução de qualquer outro crime.

A formulação de T. H. Huxley foi:

O fundamento da moralidade é [...] renunciar a fingir que se acredita naquilo que não comporta evidências, e a repetir proposições ininteligíveis sobre coisas que estão além das possibilidades do conhecimento.

Página 239 e 240 do capítulo Obcecado pela realidade:
Uma das lições mais tristes da história é a seguinte: se formos enganados por muito tempo, a nossa tendência é rejeitar qualquer evidência do logro. Já não nos interessamos em descobrir a verdade. O engano nos aprisionou. É simplesmente doloroso demias admitir, mesmo para nós mesmos, que fomos enganados. Se deixarmos que um charlatão tenha poder sobre nós, quase nunca conseguimos recuperar nossa independência. Por isso, os antigos logros tendem a persistir, enquanto surgem outros novos.

Página 290 e 291 do capítulo O casamento do ceticismo e da admiração:
Já ouvi um cético falar de modo superior e desdenhoso? Certamente. Às vezes até escutei, para minha posterior consternação, esse tom desagradável na minha própria voz. Há imperfeições humanas em ambos os lados dessa questão. Mesmo quando é aplicado com sensibilidade, o ceticismo científico pode parecer arrogante, dogmático, cruel, e sem consideração para com os sentimentos e as crenças profundamente arraigadas dos outros. (...)
Há certamente limites para os usos do ceticismo. Deve-se aplicar uma análise de custo / benefício, e se o alívio, o consolo e a esperança fornecidos pelo misticismo e pela superstição são elevados, e os perigos da crença relativametne baixos, por que não deveríamos guardar as dúvidas para nós mesmos?

Página 295 do capítulo O casamento do ceticismo e da admiração:
No momento em que escrevo, acho que três alegações no campo da percepção extra-sensorial (ESP) merecem estudo sério: (1) que os seres humanos conseguem (mal) influir os geradores de números aleatórios em computadores usando apenas o pensamento; (2) que as pessoas sob privação sensorial branda conseguem receber pensamentos ou imagens que foram nelas "projetados"; e (3) que as crianças pequenas às vezes relatam detalhes de uma vida anterior que se revelam precisos ao serem verificados, e que não poderiam ser conhecidos exceto pela reencarnação. Não apresento essas afirmações por achar provável que sejam válidas (não acho), mas como exemplos de afirmações que poderiam ser verdade. Elas têm, pelo menos, um fundamento experimental, embora ainda dúbio. Claro, eu posso estar errado.

Página 312 do capítulo Não existem perguntas imbecis:
Mas há outra coisa: conheço muitos adultos que ficam desconcertados quando as crianças pequenas fazem perguntas científicas. Por que a Lua é redonda?, perguntam as crianças. (...) Muitos professores e pais respondem com irritação ou zombaria, ou mudam rapidamente de assunto: "Como é que você queria que a Lua fosse, quadrada?". As crianças logo reconhecem que de alguma forma esse tipo de pergunta incomoda os adultos. Novas experiências semelhantes, e mais uma criança perde o interesse pela ciência. Por que os adultos têm de fingir onisciência diante de crianças de seis anos é algo que nunca vou compreender. O que há de errado em admitir que não sabemos alguma coisa? A nossa auto-estima é assim tão frágil?

Página 402 do capítulo Ciência e bruxaria:
É próprio do ceticismo ser perigoso. Ele desafia as instituições estabelecidas. Se ensinamos a todo mundo, inclusive a estudantes do segundo grau, os hábitos do pensamento cético, eles provavelmente não vão restringir seu ceticismo aos UFOs, aos comerciais de aspirina e às mentes canalizadas de 35 mil anos de idade. Talvez comecem a fazer perguntas incômodas sobre as instituições econômicas, sociais, políticas ou religiosas. Talvez desafiem as opiniões de quem está no poder. Então o que aconteceria conosco?

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